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Fiocruz distribui antirretrovirais para evitar HIV

Fiocruz distribui antirretrovirais para evitar HIV

Pesquisa servirá de modelo para Ministério da Saúde analisar viabilidade da adoção da estratégia no Brasil

Todo dia, Fábio Paulo Santana, de 41 anos, toma um comprimido de manhã. O auxiliar de enfermagem não está doente, mas enxerga na pequena pastilha azul um artifício contra o medo e a insegurança. O remédio ingerido devotamente por Fábio há cinco meses é uma combinação de dois antirretrovirais (tenofovir e emtricitabina) e reduz drasticamente o risco de ele ser infectado pelo HIV. Com eficácia descrita por estudos científicos, o uso preventivo do Truvada, nome comercial do medicamento, está no centro de um projeto coordenado pelo Laboratório de Pesquisa Clínica em DST/Aids da Fundação Osvaldo Cruz (Fiocruz). A pesquisa, cujo slogan é “Um comprimido por dia pode prevenir o HIV/Aids”, servirá de modelo para o Ministério da Saúde. A ideia é avaliar viabilidade, aceitação e segurança da adoção da estratégia de profilaxia pré-exposição ao HIV (PrEP) no Brasil. Já são 164 voluntários triados e 118 incluídos na pesquisa. Até meados do ano que vem, 500 homens gays e travestis em Rio, São Paulo e Porto Alegre devem usar a droga para evitar a infecção.- O remédio me deixa numa área de conforto psicológico. Mas não esqueço que o Truvada não reduz o risco de outras DSTs, então uso preservativo e sempre converso antes das relações para saber se o parceiro tem HIV e, se for o caso, se faz tratamento ou não – afirma Fábio, assegurando que o uso do remédio não gerou efeitos colaterais nem, tampouco, preconceito. – Meus amigos e minha família sabem que sou voluntário. Inclusive me ajudam a não esquecer de tomar o remédio.

O auxiliar de enfermagem está na pesquisa desde a sua fase mais inicial. Assim como os outros voluntários, ele passou por pré-triagem e triagem antes da inclusão. Nessas etapas, os interessados são informados sobre os detalhes do projeto e passam por uma série de exames, incluindo o teste para o HIV. Caso o vírus não seja detectado, e o candidato tenha perfil compatível ao estudado pelo programa, recebe o remédio e passa a ser acompanhado pela equipe do laboratório. Mensalmente, há encontros para avaliação de médicos e de outros profissionais, como psicólogos.

Eficácia de quase 100%

Segundo estudos, entre homens gays e travestis, a eficácia do Truvada na prevenção da aquisição do HIV por via sexual pode chegar a 99% se o indivíduo fizer uso regular do medicamento. Em julho, dois meses depois do início dos testes da Fiocruz, a Organização Mundial de Saúde (OMS) sugeriu que homens gays utilizem os antirretrovirais como forma adicional de prevenir a infecção, junto com o uso de preservativos. A nota divulgada pela entidade incluiu os gays em uma lista de grupos-chave a quem não são oferecidos serviços de saúde adequados. Os transsexuais também estão em alto risco. De acordo com a organização, esses dois grupos, junto com prisioneiros, pessoas que usam drogas injetáveis e profissionais do sexo, representam cerca de metade de todas as novas infecções pelo HIV no mundo.

Coordenadora do estudo, a infectologista Brenda Hoagland explica que a recomendação da OMS serve de respaldo para o estudo da Fiocruz.

– A nossa ideia é seguir as diretrizes da OMS e importar o que está sendo feito no mundo, mas de acordo com a nossa realidade. Nosso projeto serve para entender se, no Brasil, a população está aceitando esse tipo de prevenção e quais são as dificuldades de usar o medicamento, por exemplo – afirma a médica. – O vírus vem se espalhando em uma população específica, e não podemos ignorar isso. Hoje falamos em vulnerabilidade, não mais em grupos de risco, porque há práticas que deixam o indivíduo mais exposto.

Valdilea Veloso, investigadora do estudo, lembra que esses grupos costumam ficar à margem do serviço de saúde. Não é raro que gays e travestis sofram preconceito ao procurar atendimento.

– Essa população é negligenciada. É comum que inovações sejam apropriadas por quem tem mais conhecimento e mais acesso ao sistema de saúde. A nossa pesquisa vai na direção contrária. A intenção é possibilitar uma distribuição mais equânime dos benefícios da ciência – afirma a médica.

Perfis variados entre participantes

Profissionalmente, a mais de uma centena de voluntários da Fiocruz é heterogênea. Há professores, ativistas, estudantes. O biólogo Thiago Santos, de 25 anos, se interessou pelo projeto ao ler sobre a iniciativa pela internet. Na época, o jovem tinha um parceiro soropositivo.

– A relação com ele fez com que eu sentisse vontade de colaborar com a questão HIV-Aids. Percebi que, apesar de a medicina hoje conseguir controlar o vírus, ela não é capaz nem será de controlar os danos psicológicos causados por ele. Quis colaborar para que novos casos não venham a acontecer. E também diminuir meus riscos – explica Thiago, ressalvando que não abre mão do preservativo nas relações sexuais.

O biólogo, que participa da pesquisa há quatro meses, conta que sentiu leves efeitos colaterais do Truvada – como gases – quando começou a tomar o remédio. O sintoma, no entanto, desapareceu sem que fosse necessário usar outros remédios, afirma o jovem.

Ele diz não ter receio de que o uso do remédio possa despertar suspeitas ou curiosidade:

– Eu nunca tive preocupação com estigma. Avisei à minha família que daria entrevista, por causa da possibilidade de que algum parente que não sabe sobre a minha orientação sexual seja surpreendido. Eles me perguntaram se eu estava ciente de que poderia ser visto como um doente. Só que não me preocupo se as pessoas vão achar que eu sou soropositivo ou não. Além disso, para mim, a pessoa se mostra leiga se acha que o fato de eu tomar Truvada faz de mim soropositivo.

Por sua idade, Thiago tem um perfil de grande interesse da pesquisa da Fiocruz. A idade mediana no projeto é de 30 anos, mas o objetivo é reduzi-la.

– Muitas das novas infecções estão acontecendo entre os jovens. Por isso, esse é um grupo que queremos assistir. Temos de caminhar nesse sentido – ressalta Beatriz Grinsztejn, também investigadora do estudo.

De acordo com a OMS, por conta do acesso a medicamentos que controlam a Aids, haveria uma diminuição do medo da infecção entre gerações que não assistiram ao pico da doença, na década de 90. A entidade calcula que jovens homossexuais homens têm 19 vezes mais chances de infecção que a população em geral.

– Durante um tempo, as pessoas começaram a achar que tratar HIV era como tratar diabetes ou tratar hipertensão. Mas é muito diferente. Além de ser dispendioso, tanto em relação ao tempo dedicado ao tratamento como no que diz respeito aos gastos, o vírus traz outros problemas – opina Fábio Paulo Santana. – O HIV me fez perder pessoas próximas nas duas últimas décadas. Sei que não quero perder mais.

Fonte: ORM News

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