01 set Vírus teve mais de 300 mutações genéticas
Como resposta ao maior surto de Ebola da história, um grupo internacional de cientistas sequenciou e analisou 99 genomas do vírus. Com o estudo, publicado nesta quinta-feira, 28, na revista Science, foi possível rastrear a origem e transmissão do vírus no surto atual – informações que são essenciais para o desenvolvimento de vacinas, diagnósticos e tratamentos. A pesquisa mostrou que o genoma do vírus atual tem mais de 300 modificações genéticas em relação às linhagens responsáveis por surtos anteriores da doença.
O estudo foi realizado pelo Broad Institute do MIT e Harvard, em colaboração com o Ministério da Saúde de Serra Leoa. Cinco dos 58 autores do artigo da Science contraíram o vírus do Ebola e morreram antes da publicação. Um dos coautores do estudo, Augustine Goba, diretor do Laboratório Lassa, em Kenema (Serra Leoa), foi o cientista que identificou o primeiro caso de Ebola no país.
Segundo os cientistas, as linhagens de Ebola responsáveis pelo surto atual provavelmente têm um ancestral comum com o primeiro surto da história, ocorrido em 1976. No estudo, os pesquisadores traçaram o caminho de transmissão e as relações evolutivas das amostras, revelando que a linhagem responsável pelo surto atual divergiu da versão do vírus nos últimos 10 anos. Segundo eles, o surto de 2014 teve origem na Guiné e se espalhou por Serra Leoa, Libéria e Nigéria.
De acordo com o artigo, nos surtos anteriores, a exposição contínua a reservatórios virais, como morcegos infectados, contribuíram para a difusão da doença. Mas, a partir das variações genéticas encontradas nos sequenciamentos do vírus atual, os cientistas concluíram que o surto de 2014 começou a partir de uma única troca entre humanos, espalhando-se depois de pessoa para pessoa por vários meses provavelmente indo para Serra Leoa a partir de duas linhagens do vírus originários da Guiné. Os pesquisadores acreditam que a possível fonte dessas linhagens foram 12 pessoas que participaram do funeral de um curandeiro na Guiné, na fronteira com Serra Leoa, em maio, e levaram a doença para Serra Leoa.
Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores estudaram amostras do vírus coletadas de 78 pacientes que foram diagnosticados com a doença em Serra Leoa nos primeiros 24 dias do surto. Alguns pacientes contribuíram com mais de uma amostra – o que permitiu estudar a mudança do vírus em cada indivíduo no decurso da infecção. Para caracterizar as cepas atuais do vírus, os cientistas utilizaram a tecnologia conhecida como “sequenciamento profundo”: o sequenciamento é repetido inúmeras vezes para gerar resultados de alta confiabilidade. No caso, cada genoma foi sequenciado em média 2 mil vezes.
De acordo com um dos autores, Kristian Andersen, da Universidade de Harvard (Estados Unidos), ao analisar as amostras obtidas no início da epidemia em Serra Leoa e compará-las às de surtos anteriores, a equipe conseguiu dados para estudar a taxa de evolução e entender o padrão de difusão da epidemia. “Essa informação é muito importante para nos dar uma ideia de como o vírus está mudando no decorrer de uma epidemia quando é introduzido a partir de uma fonte única”, disse Andersen.
As mutações encontradas no vírus de 2014 eram esperadas, segundo Andersen. “A linhagem de 2007 também era diferente daquela de 2002. É muito cedo para concluir se isso torna o vírus diferente em termos biológicos ou clínicos. Vamos ter que estudar mais, fazendo experimentos e investigações epidemiológicas”, afirmou.
Os cientistas também não sabem ainda se as mutações no vírus têm relação com o tamanho sem precedentes do surto atual. “É possível que o tamanho do surto se explique por uma melhora do acesso ao transporte, na infraestrutura de estradas e distinguiam o surto atual dos anteriores. Embora os cientistas não saibam se essas diferenças têm relação com a severidade do surto atual, a descoberta poderá servir como ponto de partida para outros grupos de pesquisa. A fim de acelerar os esforços contra a doença, os cientistas divulgaram as sequências genômicas completas na base de dados do Centro Nacional de Informação Biotecnológica dos Estados Unidos, deixando-as disponíveis para a comunidade científica internacional.
Segundo Andersen, entender de onde vem o vírus é importante para tentar compreender por que novas áreas são infectadas por novas linhagens virais. “Para fins de contenção da epidemia, é fundamental entender como um evento isolado de infecção em um funeral pode se espalhar por todo o país. Nós conseguimos rastrear a data e local desse evento e conseguimos evidências sobre como o vírus muda ao se espalhar de pessoa para pessoa”, explicou.
Entender como o vírus muda, de acordo com Andersen, é fundamental para o desenvolvimento de vacinas e tratamentos. “O alvo para as vacinas e terapias podem ser partes específicas do genoma viral, que podem mudar durante os surtos, ou entre um surto e outro”, declarou o cientista.
Mortos
Os cinco coautores do estudo que morreram ao longo do trabalho de pesquisa eram colaboradores de Serra Leoa. Segundo Andersen, todos eles morreram em decorrência do surto de Ebola. “Alguns deles tinham familiares que haviam contraído a doença e provavelmente foram infectados a partir deles. Outros foram infectados enquanto tratavam de pacientes em Kenema”, afirmou.
Morto no fim de julho, o médico Sheik Humarr Khan foi diretor do Programa Nacional de Febre de Lassa, do Ministério da Saúde de Serra Leoa. Khan completou sua residência em Medicina no Hospital Escola de Korle Bu, em Gana.
Ele estava envolvido com o Centro Africano de Genômica de Doenças Infecciosas, Saúde Humana e Hereditariedade. “Ele era um dos membros fundadores do Consórcio de Febre Hemorrágica Viral e tinha 10 anos de experiência no tratamento de pacientes com a febre de Lassa – uma febre hemorrágica viral aguda, descrita em 1969 na cidade de Lassa, na Nigéria”, disse Andersen.
Mbalu Fonnie, enfermeira no Hospital Governamental de Kenema, havia se aposentado como supervisora do ambulatório de febre de Lassa da instituição. “Ela tinha mais de 30 anos de experiência no tratamento da febre de Lassa e se especializou no gerenciamento de casos severos da doença em mulheres grávidas”, disse Andersen. Segundo ele, Fonnie iniciou a carreira no Hospital Metodista Nixon, em Segbwema (Serra Leoa) e participou de testes clínicos conduzidos pelo Centro de Controle de Doenças do governo dos Estados Unidos.
Mohamed Fullah era instrutor no Instituto Politécnico Oriental de Serra Leoa, onde serviu por mais de 10 anos. “Ele era extremamente popular entre seus alunos. O professsor Fullah também teve vasta experiência em trabalhos técnicos de laboratório e trabalhou por seis anos, em meio período, no Laboratório de Febre de Lassa”, disse Andersen. Alex Moigboi era enfermeiro em Serra Leoa e tinha mais de 10 anos de experiência com o tratamento de pacientes de febre de Lassa. Alice Kovoma também era enfermeira e tinha seis anos de intensa experiência no tratamento de vítimas da febre de Lassa.
Fonte: O Estado de S.Paulo
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