05 jul Instituições paraenses se unem para produção de fitoterápicos
Programa busca desenvolvimento da economia verde no estado do Pará
Óleo de copaíba é um ótimo antinflamatório, xarope de guaco é certeiro para tosse, tintura de maracujá é um ótimo sedativo. É um hábito antigo do brasileiro recorrer à eficácia terapêutica das plantas para o tratamento de algumas doenças. A novidade é que, nos últimos anos, a Fitoterapia vem sendo retomada, com consequente necessidade de se conhecer e valorizar as potencialidades das plantas medicinais em toda a cadeia produtiva.
Nesse cenário, a Bacia Amazônica destaca-se como a região com maior potencial para aproveitamento econômico e sustentável dos insumos naturais voltados à produção de fitomedicamentos. Pesquisas bibliográficas revelam que, na região, há cerca de 530 espécies botânicas portadoras de princípios ativos para uso medicinal, entre introduzidas e nativas, de ocorrência espontânea ou cultivadas.
No Estado do Pará, apesar de contar com enorme vocação para o desenvolvimento da bioindústria, os benefícios em termos econômicos da exploração comercial dos produtos florestais não-madereiros, inclusive os medicinais, ainda são pouco significativos. Um dado dimensiona o desafio: em todo o território paraense, somente 30 empresas atuam nos setores de alimentos, cosméticos e fitoterápicos.
Estimativa da Associação Brasileira de Fitoterapia calcula que, somente no Brasil, a indústria de fitoterápicos movimente, em média, cerca de US$ 500 milhões por ano. Contudo, essa indústria, tal qual a de medicamentos sintéticos, segue um padrão de desenvolvimento e distribuição marcado pela concentração. Pesquisa da Agência nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) revela que 90% das empresas detentoras de registros de fitoterápicos estão localizadas nas regiões Sul e Sudeste do País. Apesar do enorme potencial, a participação da região Norte nesse setor é de apenas 2%.
Números como esses revelam a urgência de se investir na aplicação da ciência e da tecnologia com vistas a inovar em processos e produtos e gerar uma economia pautada na exploração racional dos recursos em nossa região. Investir na cadeia produtiva dos fitos é investir em economia verde, com ações voltadas aos insumos renováveis, manutenção da floresta em pé e, principalmente, com a participação direta das comunidades, destaca Alberto Arruda, secretário-adjunto da Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti PA).
O diretor do Departamento de Assistência Farmacêutica e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, José Miguel do Nascimento, acredita que o desenvolvimento do setor de plantas medicinais e fitoterápicos pode se configurar como importante estratégia para o enfrentamento das desigualdades regionais existentes no país. A região amazônica e o semi-árido brasileiro possuem uma rica biodiversidade que se contrapõe à existência de grandes bolsões de pobreza, caracterizando-se como espaços promissores para o desenvolvimento de iniciativas dessa natureza, destaca.
Para que esse potencial se converta em benefícios sociais, o Ministério da Saúde e o Governo do Estado do Pará, por meio da Secti, formalizaram dois convênios, totalizando aproximadamente R$ 1,9 milhões, a serem executados no período de dois anos. O objetivo é contribuir com a implantação e fortalecimento do Programa Paraense de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, que integra o Programa Paraense de Incentivo ao Uso Sustentável da Biodiversidade (Biopará).
Sob a gestão administrativa e execução financeira da Secti, o acordo prevê a construção de três Farmácias Vivas, destinadas à produção de medicamentos à base de plantas nos municípios de Belém, Santarém e Paragominas (PA) e de seis hortos para produção de mudas com certificação. A expectativa é que o projeto FarmaViva seja uma experiência piloto capaz de ser expandida para diversos municípios do estado.
Segundo Bruno Sodré, gerente de Prospecção e Indução de Redes de Pesquisa e técnico da Secti responsável pelas ações do projeto FarmaViva, a importância da certificação das mudas para produção de fitos advém da preocupação em garantir uma produção de matéria-prima isenta de contaminação por agrotóxicos e com maior competitividade no mercado .
Dentro do contexto do Programa Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos (PNPMF), instituído em 2006, cada Farmácia Viva implantada deverá realizar todas as etapas de produção dos fitomedicamentos, as quais incluem cultivo, coleta, processamento, armazenamento de plantas medicinais, manipulação e a distribuição dos fitoterápicos.
Pelo Programa, as ações ligadas à assistência técnica, produção e distribuição de mudas certificadas serão coordenadas pela Secretaria de Agricultura do Estado (Sagri) e pela Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Elas também serão responsáveis pela organização e qualificação de uma rede de agricultores que fornecerá a matéria-prima para a produção dos fitoterápicos de acordo com as demandas da Unidades de Manipulação.
As etapas de produção e dispensação dos fitoterápicos serão coordenadas pela Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa), com apoio técnico-científico da Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa).
De acordo com os coordenadores do Projeto, a expectativa é de que as três Farmácias Vivas atuem na ampliação das opções terapêuticas ofertadas aos usuários do SUS, de forma a garantir o acesso a plantas medicinais, fitoterápicos e serviços relacionados à fitoterapia, com segurança, eficácia e qualidade. Os medicamentos produzidos serão distribuídos gratuitamente e devidamente prescritos por profissionais de saúde habilitados, o que representa um grande benefício social, explica Alberto Arruda.
A Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa) é parceira da Secti na execução do Projeto em Santarém. A criação de uma unidade de manipulação no nosso município contribuirá para elevar a qualidade das instituições de ensino e pesquisa da região, fixar pesquisadores e atrair novos investimentos, declara a professora Rosa Mourão, Programa de Pós Graduação em Recursos Naturais da Amazônia (PGRNA/Ufopa).
Para Alberto Arruda, a implantação de pequenas usinas e a formação de cooperativas promoverão grande impulso à economia local. A marca Amazônia tem forte apelo nacional e internacional, se bem trabalhada permitirá a geração de negócios de grande porte.
Pesquisar é preciso
Investir no estudo das espécies de plantas medicinais mais utilizadas localmente é fundamental para fortalecer a Fitoterapia e consolidá-la como terapia complementar e integrada ao tratamento oferecido pelo SUS. Apesar do enorme avanço do setor nos últimos anos, ainda há muito o que ser feito pela tríade Poder público – Instituições de Ciência e Tecnologia – Setor produtivo. Apesar de possuir a maior biodiversidade do planeta, vasto conhecimento tradicional das plantas medicinais e ainda de deter parque científi co e tecnológico para desenvolvimento de fármacos, contraditoriamente, o Brasil representa o oitavo mercado farmacêutico mundial e im- porta fármacos e medicamentos muito mais que exporta, principalmente, da Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos.
Atualmente, as pesquisas fi nanciadas pelo Governo Federal estão direcionadas às espécies já identifi cadas e listadas na Relação Nacional de Plantas Medicinais de Interesse ao SUS (Renisus), composta por 71 espécies. Entre 2003 e 2010, apoiamos 119 projetos, investindo cerca de R$10mi. Estamos fi nalizando 24 monografi as de espécies vegetais com potencial para a produção de fitoterápicos e prevendo a elaboração de outras 47 entre 2012 e 2013, totalizando as 71 espécies da Renisus, explica José Miguel do Nascimento. Investir em pesquisa envolvendo a avaliação da efi cácia e segurança de espécies aqui encontradas é, portanto, uma necessidade.
O secretário-adjunto da Secti, Alberto Arruda, que também é químico especializado em produção de extratos vegetais, acredita que há possibilidade de a Renisus ser ampliada ao incorporar espécies locais. O Biopará, por meio das ações de fomento a criação de redes de pesquisa na área de saúde propostas no Plano Diretor da Secti, prevê a realização de estudos que certifi quem a efi cácia e a baixa toxicidade de plantas nativas identifi cadas, de modo a permitir que mais plantas do bioma Amazônia sejam inseridas na Renisus e que mais fitomedicamentos sejam registrados, acredita.
Atualmente, existem diversos grupos de pesquisa de instituições amazônicas de C&T que têm como objeto de estudo as plantas medicinais e os fi toterápicos. Um levantamento realizado em 2010 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde identifi cou 77 grupos de pesquisa nos nove estados localizados no Bioma Amazônico. Esses grupos são compostos de 432 linhas de pesquisa e por um total de 711 pesquisadores, 738 estudantes e 91 técnicos.
Embora haja uma infraestrutura científi ca identifi cada, a pesquisa revelou a necessidade de se investir no fortalecimento das relações entre a pesquisa e a indústria, visto que os resultados mostraram que apenas cerca de 10% dos grupos têm alguma relação com o setor produtivo.
Tradição e Ciência
Boa parte da população que vive na região amazônica encontra na floresta as fórmulas para a cura dos seus males. As receitas à base de plantas medicinais, muitas aprendidas com os indígenas, são passadas de pais para filhos há gerações. No Estado do Pará, a copaíba (Copaifera spp) e a andiroba (Carapa guianensis) são as espécies vegetais com ativos medicinais mais importantes com cadeias produtivas estabelecidas. Elas destacam-se como as mais consumidas e com uma incalculável importância econômica e sociocultural.
A resina da copaíba já era bastante conhecida e utilizada terapeuticamente pelos índigenas brasileiros quando os portugueses aqui chegaram. Os jesuítas contribuíram para difundir os conhecimentos tradicionais sobre as propriedades da copaíba e, em 1625, a espécie foi registrada pela primeira vez na medicina européia, passando a ser chamada, também, de Bálsamo-dos-Jesuítas.
O uso do óleo de andiroba remete aos índios Mundurukus, que o utilizavam para mumificar a cabeça dos inimigos. Os Wayãpi e Palikur, entre outros, usavam o óleo para remover carrapatos e piolhos. Também funciona como solvente para extrair os corantes vegetais de pintar o corpo. Mas foi o uso medicinal da andiroba que se espalhou por Guatemala, Peru, Colômbia, Panamá, Trinidad, Venezuela, Brasil.
A utilização dessas plantas, nos dias atuais, se faz presente no combate a distúrbios principalmente de caráter inflamatório, como inflamações do músculo esquelético e da garganta. A cada dia, surgem novos estudos acerca das potencialidades das duas espécies, não só terapêuticas, como, também, na indústria química e cosmética.
Regulamentação
Os povos e comunidades tradicionais conhecem bem as espécies úteis disponíveis na floresta e todo esse patrimônio simbólico desperta o interesse de instituições de pesquisa, organizações não-governamentais, indústrias farmacêuticas nacionais e internacionais, entre outros. Advém daí o desafio de garantir que as ferramentas legais que dispõem sobre a repartição dos benefícios decorrentes do acesso aos recursos genéticos de plantas medicinais e ao conhecimento tradicional associado sejam, de fato, implementadas.
Para subsidiar a elaboração de um marco legal sobre o tema, o Comitê Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, por meio de um Grupo de Trabalho sobre Uso Tradicional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos do MS, está buscando estruturar pesquisas para identificar e sistematizar as experiências de uso tradicional e popular de plantas medicinais e sua dinâmica, no contexto da sociobiodiversidade brasileira.
Ainda no que diz respeito à regulamentação, o poder público estadual, com o envolvimento direto do setor produtivo e da academia, têm trabalhado na elaboração da Lei Estadual de Acesso ao Patrimônio Genético e ao Conhecimento Tradicional. No texto da lei, consta a criação do Fundo Paraense de Apoio ao Conhecimento Tradicional destinado a apoiar as iniciativas das comunidades tradicionais. O Fundo será composto, principalmente, de parte do ICMS de empresas paraenses que desenvolvem atividades utilizando recursos oriundos da biodiversidade regional.
Fonte: Revista Ver-a-Ciência (Secretaria Estadual de Ciência, Tecnologia e Inovação / PA)
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