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Globalização de doenças

Globalização de doenças

O ebola não está só. Outros 12 mil surtos pegaram o planeta de surpresa entre 1980 e 2013, afetando cerca de 44 milhões de pessoas, segundo um levantamento divulgado ontem pela Universidade de Brown, nos EUA. A tendência é que esta erupção de casos seja cada vez maior. Há, no entanto, uma notícia positiva — a proliferação de doenças está provocando menos vítimas.

O aumento da população e a globalização faz com que os agentes causadores de doenças circulem muito mais rapidamente, trocando de continente do dia para a noite. Com as crescentes intervenções no meio ambiente, microorganismos que antes viviam isolados entram em contato com o homem causando doenças. O ebola, por exemplo, pode ter vindo de morcegos.

O estudo revela que 65% das doenças detectadas no levantamento são zoonoses, ou seja, vêm de animais. Ao todo, estas doenças causaram cerca de 56% dos surtos desde 1980.

— A população está cada vez mais interligada, inclusive com a vida selvagem, que é hospedeira de agentes capazes de produzir doenças — explica Katherine Smith, coautora do estudo e professora assistente do Depar tamento de Biologia de Brown. — Estas conexões cr iam oportunidades para os patógenos mudarem de hospedeiros e atravessarem fronteiras.

Infectologista e diretor clínico do Grupo Fleury, Celso Granato destaca a facilidade com que os surtos podem ser transportados mundo afora. — Milhares de viagens aéreas são feitas por dia. Se eu te der US$ 10 mil, você pode ir para qualquer lugar do mundo e está exposto a uma infecção — relata.

As doenças que provocam os surtos também podem são típicas de cada região. Em alguns países pobres, por exemplo, a falta de informações cria resistências a campanhas de vacinação contra o sarampo e a poliomelite, entre outras doenças. As precárias condições higiênicas também facilitam o surto de doenças nas nações pobres.

— A falta de saneamento básico deixa a população em constante contato com a água contaminada e o esgoto — lembra Anna Caryna Cabral, infectologista do Hospital Pedro Ernesto. — É um cenário que proporciona a difusão de casos de leptospirose, dengue e malária, entre muitas doenças.
Os meios de produção de alimentos também permitem mudanças de hospedeiros de doenças. A granja, segundo Granato, é um ambiente de “promiscuidade” para disseminação de patógenos entre as espécies. Dez anos atrás, por exemplo, o H5N1, uma cepa mortal da grive aviária, provocou pelo menos 375 mortes, a maioria na Indonésia, Egito e Vietnã.

MAIS SURTOS NO SÉCULO XXI

A virulência dos surtos, porém, está diminuindo. Segundo Katherine, os centros de pesquisa estão detectando os focos de doenças com cada vez mais velocidade e eficiência.

Entre 1980 e 1985, o estudo da Universidade de Brown registrou menos de mil surtos. Entre 2005 e 2010, foram quase 3 mil. Nestes períodos, o número de doenças responsáveis por esta erupção de casos aumentou — eram menos de 140, e passaram para 160.

Para coletar estes dados, a equipe de Katherine recorreu a um leque de informações, como o PIB de cada país, o tamanho da população e o acesso à informação, seja pela liberdade de imprensa ou pelo uso da internet.

— Registramos mais surtos nos países desenvolvidos, como EUA, Canadá e na Europa Ocidental, porque neles há mais recursos para consulta e combate às doenças — avalia a pesquisadora. — Por outro lado, acredito que há muitos surtos desconhecidos nas nações em desenvolvimento.

Na América Latina, Brasil e México estão no topo do registro de surtos. Katherine ainda não analisou os motivos, mas acredita que, por aqui, isso ocorre devido à grande presença de agentes transmissores de doenças.

Granato acredita que o país tem condições para investigar grandes focos de doenças. — Além do acesso à informação, o sistema de saúde funciona razoavelmente bem, e o índice de vacinação é eficiente — calcula. — São fatores que permitem a identificação de surtos. Mas ainda temos dificuldades para combater alguns deles. A dengue, por exemplo, é um problema crônico. E a chegada do vírus do chikungunya, que está no Caribe e também é transmitido pela picada de um mosquito, afundaria o país.

A tendência de aumento no número de surtos não assombra Granato, caso as doenças sejam monitoradas de perto. — O sistema de vigilância é muito maior do que no passado — assinala. — A gripe, por exemplo, é estudada em 40 países, permanentemente alertas a qualquer mutação do vírus. Talvez não tenhamos vacina para todos eles, mas sem dúvida a fabricação será acelerada.

DOENÇAS COM MAIS FOCOS

O vírus, aliás, é um dos mais recentes vilões do planeta. O chikungunya figura entre as dez doenças que causaram mais surtos entre 2000 e 2010. O ranking é liderado pela salmonela, seguida por e. coli, gripe A, hepatite, antraz, shigelose, tuberculose e triquinose.

A campylobacter, a cryptosporidiosis e a hepatite E, que estavam entre as doenças que causavam mais surtos nas décadas passadas, foram riscadas da nova seleção.

— É muito difícil saber quais vírus podem levar a um surto — admite Granato. — Três anos atrás, não acreditaria que o chikungya causaria um estrago tão grande.

Katharine realizou sua pesquisa com base no registro de surtos da Rede Global de Doenças Infecciosas e Epidemiologia (Gideon, na sigla em inglês). Agora, ela pretende recorrer à mesma fonte para cumprir a segunda etapa do seu estudo — o modo como as mudanças climáticas e do uso do solo vão influenciar as doenças infecciosas: — Um mundo mais quente, com paisagens alteradas e mais urbano terá um novo modo de se relacionar com as doenças.

Fonte: O Globo

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