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Evolução através de epidemias

Evolução através de epidemias

Responsáveis pelo extermínio de significativa parcela da Humanidade, grandes epidemias teriam como agente — no surgimento e na proliferação — sua maior vítima: o ser humano. Do sarampo ao ebola que ainda hoje faz vítimas na África Ocidental, passando por peste negra, gripe espanhola e cólera, todas as graves doenças que varreram países e continentes começaram e se expandiram por eventos associados à ação humana, como migrações internacionais, domesticação de animais e exploração da natureza. A tese é do infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor dos livros “A história e suas epidemias”, “Pandemias” e, mais recentemente, “A história do século XX pelas descobertas da medicina”, lançado este ano pela Editora Contexto.


— O homem sempre esteve por trás, criando alguma condição que favoreceria o aparecimento e alastramento das epidemias. Essas epidemias aconteceriam de qualquer maneira, mas suas intensidades foram favorecidas pela interferência do homem — defende Ujvari.

O argumento do infectologista é amparado por uma revisão em doenças que atingiram povos ao longo de dezenove séculos. No século II, a expansão do Império Romano teve como consequência a chegada do vírus do sarampo à Europa.

A intensificação das trocas comerciais e incursões ao Oriente Médio teriam levado a doença da Ásia para o Egito e, dali, para a Península Itálica. Cerca de um quarto da população local morreu vitimada pela enfermidade. A varíola seguiu caminho parecido, no mesmo século.

— Essas foram as primeiras grandes epidemias, causadas pela introdução de vírus em populações que não tinham contato anterior com eles, a partir da extensão de fronteiras e entrada em novos territórios. O homem começava a globalizar as doenças infecciosas — comenta Ujvari.

PESTE NEGRA VITIMOU 25 MILHÕES DE PESSOAS

Talvez a pandemia mais conhecida da História, por sua descomunal mortalidade, a peste negra também eclodiu e se espalhou graças a condições favoráveis criadas por seres humanos, sobretudo o aumento descontrolado da população europeia sem condições de adequadas de higiene, na Idade Média. A doença teria aportado na Sicília com embarcações vindas da região da Crimeia. Vetores da doença, ratos e suas pulgas encontraram um ambiente favorável à proliferação em meio ao lixo orgânico que se espalhava pelas ruas das primeiras cidades urbanas. De 1348 a 1350, a doença conhecida também como peste bubônica vitimou fatalmente cerca de 25 milhões de pessoas, um terço da população da Europa.

A colonização das Américas também teve consequências biológicas. Diferentes vírus, do sarampo, da varíola e da gripe, foram introduzidos no continente e atacaram populações indígenas sem imunização para essas doenças.

— A epidemia chegou e se alastrou de forma lenta e gradual, ao longo de cinco séculos. A varíola alcançou a capital dos astecas, na época em que Hernán Cortés chegou à região, e ajudou o espanhol a destruí-los. A doença, assim como o sarampo, também colaborou com a conquista do Império Inca.

No Brasil, as doenças atingiram, por exemplo, índios na Bahia e no interior da Amazônia — detalha Ujvari. Já no século XIX, a chamada revolução industrial esteve associada à disseminação da cólera. Oriunda da Índia, a bactéria alcançou a Europa apenas quando o tempo de viagem entre o país e o continente foi encurtado, por conta da invenção de embarcações a vapor e da construção do Canal de Suez. Antes, viajantes atingidos pela doença morriam durante o percurso.

Já a gripe espanhola, provocada pelo vírus Influenza A do subtipo H1N1 e que atingiu diferentes regiões do mundo no século XX, teria em sua origem o contato do homem com animais e foi catalisada pela Primeira Guerra Mundial. Análises genéticas de fragmentos de pulmão de vítimas da doença — cuja origem é provavelmente os EUA ou a China, e não a Espanha — indicaram que o vírus veio de aves. Um século depois, a aproximação de homem e animais também foi apontada como o início da recente epidemia de gripe suína, causada por outra cepa do H1N1: a criação concomitante de porcos e aves resultou no vírus causador da doença. O ebola — cujo atual surto já matou mais de 1,5 mil pessoas na África Ocidental — surgiu provavelmente por conta da manipulação de carcaças com secreções de animais que vivem em matas, como chimpanzés, gorilas, antílopes e morcegos.

— Interferir no meio ambiente e alterar a dinâmica da biosfera é um grande problema. O ebola é consequência disso, assim como a dengue — defende o infectologista.

Sociólogo e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Luiz Antonio de Castro Santos afirma que migrações internacionais sempre foram o grande causador de epidemias.

Ele alerta, no entanto, para o perigo de marginalização de populações identificadas como causadoras das doenças: — Esses fatores causais são quase sempre seguidos pela estigmatização. Hoje, por exemplo, quando a gente fala de população da Libéria ou de Serra Leoa há o estigma da doença associada à pobreza. O estigma é sempre um problema e muitas vezes interferem no tratamento das doenças, o que pode, inclusive, contribuir para sua expansão — acredita.

Fonte: O Globo

 

 

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