02 set Evolução através de epidemias
Responsáveis pelo extermínio de significativa parcela da Humanidade, grandes epidemias teriam como agente no surgimento e na proliferação sua maior vítima: o ser humano. Do sarampo ao ebola que ainda hoje faz vítimas na África Ocidental, passando por peste negra, gripe espanhola e cólera, todas as graves doenças que varreram países e continentes começaram e se expandiram por eventos associados à ação humana, como migrações internacionais, domesticação de animais e exploração da natureza. A tese é do infectologista Stefan Cunha Ujvari, autor dos livros A história e suas epidemias, Pandemias e, mais recentemente, A história do século XX pelas descobertas da medicina, lançado este ano pela Editora Contexto.
O homem sempre esteve por trás, criando alguma condição que favoreceria o aparecimento e alastramento das epidemias. Essas epidemias aconteceriam de qualquer maneira, mas suas intensidades foram favorecidas pela interferência do homem defende Ujvari.
O argumento do infectologista é amparado por uma revisão em doenças que atingiram povos ao longo de dezenove séculos. No século II, a expansão do Império Romano teve como consequência a chegada do vírus do sarampo à Europa.
A intensificação das trocas comerciais e incursões ao Oriente Médio teriam levado a doença da Ásia para o Egito e, dali, para a Península Itálica. Cerca de um quarto da população local morreu vitimada pela enfermidade. A varíola seguiu caminho parecido, no mesmo século.
Essas foram as primeiras grandes epidemias, causadas pela introdução de vírus em populações que não tinham contato anterior com eles, a partir da extensão de fronteiras e entrada em novos territórios. O homem começava a globalizar as doenças infecciosas comenta Ujvari.
PESTE NEGRA VITIMOU 25 MILHÕES DE PESSOAS
Talvez a pandemia mais conhecida da História, por sua descomunal mortalidade, a peste negra também eclodiu e se espalhou graças a condições favoráveis criadas por seres humanos, sobretudo o aumento descontrolado da população europeia sem condições de adequadas de higiene, na Idade Média. A doença teria aportado na Sicília com embarcações vindas da região da Crimeia. Vetores da doença, ratos e suas pulgas encontraram um ambiente favorável à proliferação em meio ao lixo orgânico que se espalhava pelas ruas das primeiras cidades urbanas. De 1348 a 1350, a doença conhecida também como peste bubônica vitimou fatalmente cerca de 25 milhões de pessoas, um terço da população da Europa.
A colonização das Américas também teve consequências biológicas. Diferentes vírus, do sarampo, da varíola e da gripe, foram introduzidos no continente e atacaram populações indígenas sem imunização para essas doenças.
A epidemia chegou e se alastrou de forma lenta e gradual, ao longo de cinco séculos. A varíola alcançou a capital dos astecas, na época em que Hernán Cortés chegou à região, e ajudou o espanhol a destruí-los. A doença, assim como o sarampo, também colaborou com a conquista do Império Inca.
No Brasil, as doenças atingiram, por exemplo, índios na Bahia e no interior da Amazônia detalha Ujvari. Já no século XIX, a chamada revolução industrial esteve associada à disseminação da cólera. Oriunda da Índia, a bactéria alcançou a Europa apenas quando o tempo de viagem entre o país e o continente foi encurtado, por conta da invenção de embarcações a vapor e da construção do Canal de Suez. Antes, viajantes atingidos pela doença morriam durante o percurso.
Já a gripe espanhola, provocada pelo vírus Influenza A do subtipo H1N1 e que atingiu diferentes regiões do mundo no século XX, teria em sua origem o contato do homem com animais e foi catalisada pela Primeira Guerra Mundial. Análises genéticas de fragmentos de pulmão de vítimas da doença cuja origem é provavelmente os EUA ou a China, e não a Espanha indicaram que o vírus veio de aves. Um século depois, a aproximação de homem e animais também foi apontada como o início da recente epidemia de gripe suína, causada por outra cepa do H1N1: a criação concomitante de porcos e aves resultou no vírus causador da doença. O ebola cujo atual surto já matou mais de 1,5 mil pessoas na África Ocidental surgiu provavelmente por conta da manipulação de carcaças com secreções de animais que vivem em matas, como chimpanzés, gorilas, antílopes e morcegos.
Interferir no meio ambiente e alterar a dinâmica da biosfera é um grande problema. O ebola é consequência disso, assim como a dengue defende o infectologista.
Sociólogo e professor do Instituto de Medicina Social da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Luiz Antonio de Castro Santos afirma que migrações internacionais sempre foram o grande causador de epidemias.
Ele alerta, no entanto, para o perigo de marginalização de populações identificadas como causadoras das doenças: Esses fatores causais são quase sempre seguidos pela estigmatização. Hoje, por exemplo, quando a gente fala de população da Libéria ou de Serra Leoa há o estigma da doença associada à pobreza. O estigma é sempre um problema e muitas vezes interferem no tratamento das doenças, o que pode, inclusive, contribuir para sua expansão acredita.
Fonte: O Globo
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